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Vítimas de violências são ouvidas por autoridades estaduais e federais em Audiência Pública na ALEGO

Audiência na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás reúne representantes de Ministério do Desenvolvimento Agrário, Tribunal de Justiça de Goiás, Defensorias Públicas do Estado e da União e parlamentares em diálogo para frear as ilegalidades e violações de direitos humanos praticadas pela Polícia Militar do Estado de Goiás.

Na manhã desta terça-feira, 2, foi realizada na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (ALEGO) a Audiência Pública “Violência no Campo e o papel do Estado”, para abordar o problema das ações arbitrárias da Polícia Militar do Estado de Goiás contra acampamentos e assentamentos da Reforma Agrária no interior do estado.

A audiência foi realizada pelo mandato do deputado estadual Mauro Rubem, a pedido do Campo Unitário, articulação que reúne movimentos sociais e sindicais do campo de Goiás. Segundo o grupo, pelo menos 19 comunidades assentadas e acampadas no estado denunciaram ter sofrido diferentes formas de violência por parte da PM-GO neste ano, entre ações de despejo ilegais, destruição e queima de barracos, abordagens sistemáticas, ações de monitoramento e intimidação.

Integrarm a mesa da Audiência, Cláudia Maria Dadico, Diretora de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários do MDA, Anderson Máximo, Desembargador do Tribunal do Estado de Goiás e coordenador da Comissão de Conflitos Fundiários, Tairo Esperança, Defensor Público do Estado de Goiás e Coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de Goiás, Pedro Paulo Gandra Torres, Defendor Regional de Direitos Humanos da Defensoria Pública da União, Márcio Lopes Toledo Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Goiás e Saulo Reis, da Comissão Pastoral da Terra Regional Goiás, representante do Campo Unitário.

Abertura da mesa da Audiência Pública

Cláudia Dadico, afirmou que sua equipe está se deparando com uma situação verdadeiramente preocupante em relação aos conflitos no campo. “Estamos muito preocupados com a situação no estado de Goiás. Nesse pouco tempo que estamos na ouvidoria agrária, chegaram para nós muitas denuncias preocupantes, graves. Essa violência policial não se sustenta do ponto de vista do direito brasileiro nem com os parâmetros internacionais de direitos humanos. Quando você adentra uma coletividade, sem um mandado judicial, está havendo uma invasão indevida, inconstitucional, de domicilio. Quando o estado age desta forma, ele está se expondo a sanções, no plano dos parâmetros internacional de direitos humanos”, afirmou.



Cláudia é juíza aposentada e apresentou os aspectos legais que envolvem a ação do Estado, em especial das forças policiais, e de pessoas que têm posse ou propriedade de uma terra, em relação às comunidades acampadas e assentadas da Reforma Agrária. “Se fala que ‘a pessoa tem o direito de se defender, pode usar a força para defender a sua propriedade’ – o que a gente chama [no direito] de autotutela. Ora, não é bem assim. Essa autotutela tem limites, ele só pode usar os seus próprios meio, ele não pode contratar milícia, não pode contratar policiais em folga. [A pessoa] não pode usar recursos de terceiros, um fazendeiro não pode defender a posse do outro. Isso é proibido por lei. Há autores que defendem ainda que essa autotutela só se justificaria se a terra estivesse cumprindo sua função social, ou seja, uma terra ausente de violência, sem conflito agrário, com respeito às normas ambientais, aos direitos trabalhistas e do ponto de vista tributário. Mesmo assim, de forma proporcional e jamais com sacrifício de vidas ou da integridade física das pessoas. Isso jamais pode ser aceito”, explanou.

Cláudia reafirmou que, na legislação brasileira, vida e propriedade não estão no mesmo plano. “Nenhuma suposta defesa de propriedade, pode justificar ofensa ao direito à vida, porque vida tem uma proteção do estado muito mais reforçada do que a propriedade, que também tem sua proteção, mas está em outro patamar”, explica.

A diretora acrescentou ainda que as ocupações, enquanto estratégia de reivindicação pelo direito de reforma agrária, não caracterizam, legalmente, ações contra a propriedade, mas são parte do exercício democrático. Ela ampara sua visão em uma decisão do Luiz Vicente Cernicchiaro, do Superior Tribunal de Justiça, que diz, em resumo:

No amplo arcos dos direitos de cidadania situa-se o direito de reivindicar a realização dos princípios e normas constitucionais.(…) É, pois, direito reclamar a efetivação da Reforma Agrária; legítima a reclamação aos órgãos competentes para que aconteça e se manifeste historicamente. Reivindicar é direito.(…) A postulação [ou seja, a reivindicação] da Reforma Agrária não pode ser confundida e identificada com esbulho possessório ou a alteração de limites. Não se volta para usurpar a propriedade alheia; a finalidade é outra. Ajusta-se ao direito. Sabido. Dispensa prova, por notório o Estado há anos vem remetendo [ou seja, postergando] a implantação da reforma agrária. Não se está diante de crimes contra o patrimônio.

“O direito de reivindicar é inerente à nossa democracia. Se as forças policiais estão agindo com violência fora dos marcos legais, constitucionais e de direitos humanos, em última instância, é uma ofensa à própria democracia,” finaliza, Cláudia, sua fala.

O desembargador Anderson Máximo disse que sua ideia é fazer com que a Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça de Goiás, formada após o fim da validade da ADF 828 para mediar o andamento das decisões de reintegração de posse suspensas no período da pandemia, funcione de forma extremamente democrática.

“Somos compostos por representantes do ministério publico, da Defensoria Pública da União, da Defensoria do Estado, da OAB, de lideranças dos movimentos para que a gente possa democraticamente debater as situações, haja visto que a ideia é dialogar, buscar soluções, o poder judiciario sair do papel de apenas aplicar normas, mas buscar através do pluralismo jurídico, conciliar. Essa é nossa missão”, afirmou o desembargador. “O ser humano precisa voltar a ser humano. Há uma colocação na decisão do ministro Barroso que eu releio sempre, que diz: ‘Humanizar as decisões’. Nós precisamos humanizar as relações e a nossa participação nessas questões,” propôs Anderson Máximo.

Durante a Audiência lideranças dos movimentos sociais e sindicais do campo e de comunidades vítimas de violência relataram situações de ataques e perseguições pelas quais têm passado. Em breve será divulgado o relatório da Audiência e das denúncias colhidas.



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