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Pesquisadoras apresentam estudos sobre impacto dos agrotóxicos no Acampamento Leonir Orback

Devolutiva ocorreu na Roda de Conversa “Impactos dos Agrotóxicos nas Comunidades do Campo”, que fez parte da “Jornada Contra os Agrotóxicos em Defesa da Vida em Goiás”, realizada em novembro de 2024, que contou também com Audiência Pública na Assembleia Legislativa

Por Marilia da Silva / CPT Goiás

Grito das comunidades contra os Agrotóxicos e pela Vida (Foto: Marilia da Silva)

No dia 26 de novembro, o Acampamento Leonir Orback recebeu a Missão Territorial da “Jornada Contra os Agrotóxicos em Defesa da Vida em Goiás”, um encontro entre a comunidade e pesquisadores, ativistas e jornalistas, para debater como os agrotóxicos têm impactado a vida das famílias, que há anos denunciam estar sendo sistematicamente atingidas por substâncias aplicadas em lavouras vizinhas, especialmente nas situações de pulverização aérea.

Para este diálogo, foi organizada a Roda de Conversa “Impactos dos Agrotóxicos nas Comunidades do Campo”, que teve início com relatos da locais e também contou com a participação de famílias que, vivendo em diferentes regiões do estado, enfrentam realidades semelhantes à do acampamento.

Carlos Bonfim e Nilva Machado, do Acampamento Leonir Orback, narram a realidade da comunidade (Fotos: Heloisa Sousa)

Apesar de nenhum agricultor utilizar venenos nas plantações do Leonir Orback, o território convive com doenças e perdas de plantios por consequência dos agrotóxicos utilizados na região. “No Brasil, quem diz que produz orgânicos está mentindo, porque nós somos banhados por agrotóxicos”, avaliou Carlos Bonfin, que há anos participa do setor de produção do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST). “Estamos aqui há oito anos enfrentando a destruição do meio ambiente, vendo a morte dos peixes, lutando pra produzir semi-orgânicos”, disse o agricultor.

Nilva Machado, que participa do Setor de Saúde do acampamento relatou que, chegou um momento em que ninguém conseguia mais beber a água da comunidade. “As pessoas ficam com problemas na pele, problema respiratório, diarreia, enjoo, e quando vão no postinho o médico diz que é virose. Mas a gente, que a acompanha, sabe que é sempre quando vem o veneno. Nessa comunidade pequena, cinco mulheres já morreram de câncer”, relatou Nilva. Para garantir acesso a uma água de melhor qualidade, a comunidade de uniu a parceiros para perfuração de um poço.

Além de um momento de formação e denúncia, a roda foi espaço de devolutiva dos resultados de estudos realizadas com material coletado na comunidade por instituições de pesquisa.

Água com Veneno

Uma das pesquisas apresentadas foi a análise de duas amostras de água colhidas no acampamento em 2022. O estudo foi realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com a Campanha Cerrado. Os resultados da pesquisa, que também analisou materiais coletados em comunidades de outros estados, foi publicado no dossiê Vivendo em Territórios Contaminados: Um dossiê sobre agrotóxicos nas águas do Cerrado.

Fernanda Savicki, pesquisadora da Fiocruz e coordenadora da pesquisa, explicou que, nas duas amostras coletadas no Acampamento Leonir Orback foram encontrados cinco diferentes tipos de substâncias agrotóxicas, pelo menos duas delas já banidas da União Europeia: a Atrazina e o Fibronil. Também foram encontrados o Glifosato, o 2.4-D e o Etofenprox, substâncias também altamente tóxicas às pessoas e ao ambiente.

Fernanda Savicki apresenta pesquisa da Fiocruz publicada pela Campanha Cerrado (Fotos: Heloisa Sousa)

Estudos científicos associaram o Glifosato, o Fipronil e o 2.4-D ao desenvolvimento de vários tipos de câncer em seres humanos. A Atrazina, o Glifosato e o 2.4-D são considerados desreguladores do sistema endócrino. De acordo com a legislação brasileiras, estes dois fatores deveriam impedir a liberação do uso destas substâncias na agricultura, mas o que acontece na prática, ainda hoje, é que os níveis considerados aceitáveis para presença dessas substâncias na água de consumo da população são exorbitantes, muito acima do que é ou já foi aceito na União Europeia, por exemplo.

A Atrazina sequer tem um limite estabelecido como aceitável no Brasil: a presença deste veneno na água, em qualquer quantidade, não impede que ela seja considerada adequada para uso humano.

O Fipronil está ainda diretamente relacionado com a mortandade em massa de abelhas, uma grave ameaça à biodiversidade e à produção de alimentos em todo o mundo. O Etofenprox, além de nocivo às abelhas, também é altamente tóxico para vidas aquáticas.

Os relatos de moradores de outras comunidades do campo mostraram como o problema é uma realidade comum entre famílias do campo em Goiás. Maria Lúcia, integrante do grupo de mulheres apicultoras do Assentamento Dom Fernando, localizado em Itaberaí (GO), contou que os casos de mortandade de abelhas são constantes na região. A agente pastoral Marta Jacinto também compartilhou relato sobre a convivência com comunidades de Silvânia (GO), também rodeadas pelas plantações de soja.

Agente pastoral Marta Jacinto e apicultora Maria Lúcia dão seus relatos à plenária (Fotos: Heloisa Sousa e Marilia da Silva)

Pesquisa da UFG aponta para intoxicação

Equipe do Laboratório de Mutagênese da Universidade Federal de Goiás (Labmut/UFG), que realiza estudos para identificação do impacto dos agrotóxicos na saúde de trabalhadores rurais do estado de Goiás, também esteve presente para apresentar os resultados da análise de material genético colhido no Acampamento Leonir Orback em julho de 2024.

Apresentação da pesquisa do Labmut/UFG, por Andreya Gonçalves (Foto: Marilia da Silva)

Ao todo, 43 moradores da comunidade participaram da projeto Agricultores Expostos Direta e Indiretamente aos Agrotóxicos, que analisou danos ao material genético colhido. A pesquisa foi apresentada pela pesquisadora Andreya Gonçalves e mostra a presença de 6 diferentes formas de anormalidades no DNA de pessoas expostas de forma indireta e quatro formas de anormalidades, em maior número, em pessoas expostas de forma direta.

“Pretendemos voltar ao acampamento Leonir para realizar novas coletas. Para ter um resultado mais preciso, precisamos realizar o Biomonitoramento, com várias coletas, próximas e distantes dos períodos de pulverização, para tirar uma conclusão sobre como isso está afetando as pessoas”, explicou Daniela Mello, coordenadora da pesquisa. De acordo com moradoras do acampamento, os lavoureiros vizinhos não realizaram o segundo plantio de milho neste ano, a chamada Safrinha, o que pode significar que, no último mês de julho, quando a coletas foram realizadas, a exposição indireta da comunidade aos agrotóxicos pode ter sido menos intensa, se comparada a anos anteriores.

A pesquisa também incluiu a dosagem da enzima colinesterase nas amostras de sangue coletadas, exame que faz parte do protocolo de identificação de intoxicação por agrotóxicos estabelecido pelo Ministério da Saúde. O resultado apontou para possível episódio de intoxicação de 4 pessoas do acampamento.

Zonas Livres de Agrotóxicos

Roberta Quirino, da Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos e em Defesa da Vida, avaliou que os dados destas pesquisas, que mostram a contaminação de corpos e territórios, mostram a necessidade de se construir ações concretas para que as violações de direitos relacionadas aos agroquímicos ao menos se reduzam. Uma das formas de ação seria a criação de Zonas Livres de Agrotóxicos, a exemplo da Ilha de Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina, onde uma lei municipal aprovada em 2019 proibiu o uso e armazenamento de agrotóxicos na cidade.

Roberta citou o caso das famílias de agricultores agroecológicos do Rio Grande do Sul, que conseguiram proteção legal à sua região, com a criação do “polígono de exclusão/proteção de pulverizações aéreas” em Nova Santa Rita e Eldorado do Sul. A criação deste tipo áreas onde se produz de modo agroecológico é um das bandeiras da Campanha, juntamente com o banimento, no Brasil, das substâncias que já foram proibidas em outros países e regiões pelo mundo.

Gerailton Ferreira, da CPT Goiás, trouxe uma reflexão, relacionada os agrotóxicos, sobre como todo o sistema produtivo e econômico capitalista envenena nossos corações. “Precisamos descontaminar não só o nosso solo e nossa água, mas a nós mesmos. Infelizmente o sistema conseguiu também contaminar corações com o ódio. Estamos em um momento em que a gente vê mas não enxerga, escuta mas não ouve, e ficamos achando que sozinhos conseguimos superar nossos problemas”, apontou Gerailton, chamando as comunidades para a ação coletiva organizada.

Roberta Quirino, da Campanha Contra os Agrotóxicos, e Gerailton Ferreira, da CPT Goiás (Fotos: Heloisa Sousa)

No dia seguinte à Missão Territorial, a Jornada Contra os Agrotóxicos em Goiás realizou a Audiência Pública “Impactos dos Agrotóxicos em Goiás”, na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, para debater a questão com o conjunto da sociedade goiana e parlamentares.

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