


Uma operação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, realizada no mês de setembro, encontrou 108 trabalhadores em situação de trabalho escravo em fazenda da Companhia Bioenergética Brasileira (CBB), no município de Vila Boa (GO). A ação, que envolveu Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Polícia Federal (PF), identificou uma série de irregularidades nas condições de trabalho, de alojamento ofertadas pela empresa e no recrutamento dos trabalhadores.
De acordo com o relatório de inspeção, a maior parte dos trabalhadores foram trazidos do Maranhão para Goiás para trabalhar na Usina, sem contrato de trabalho. Durante a jornada no corte de cana, eles não tinham acesso a banheiro, não havia EPIs para todos, a alimentação era insuficiente e água ofertada, de acordo com o próprio laudo apresentado pela empresa, não era tratada e continha coliformes fecais.
A usina havia alugados casas, salas comerciais e até um galpão na cidade de Vila Boa para alojar os trabalhadores. Os espaços não tinham ventilação adequada nem banheiros suficientes, a distância mínimo entre as camas não era respeitada, os trabalhadores não tinham armários, roupa de cama, nem acesso a produtos de limpeza e higiene. Não havia mesas para refeição e há relato de que as marmitas eram deixadas no chão para que se servissem. “Eram depósitos de gente”, avalia o Thiago Cabral, procurador do MPT que atuou na fiscalização.
Um representante da empresa assinou Termo de Ajuste de Conduta (TAC) elaborado pelo MPT-GO, se comprometendo a cumprir uma série de medidas para regularizar. A usina pagou 100 mil reais por danos morais coletivos, aproximadamente 862 mil em verbas rescisórias e dois salários mínimos para cada trabalhador, como indenização por danos morais individual. Eles também poderão acessar o seguro-desemprego de trabalhador resgatado.
De acordo com o artigo 149 do Código Penal brasileiro, trabalho análogo ao escravo pode ser caracterizado por algumas condições: trabalhos forçados; jornadas exaustivas (intensas o suficiente para causar danos físicos); condições degradantes no meio ambiente de trabalho; restrição de locomoção em razão de dívida contraída com o empregador.
Recrutamento ou aliciamento?
De acordo com o auditor fiscal do trabalho Rodrigo Ramos do Carmo, que atuou na operação de resgate, antes de iniciar o período de corte da cana, a empresa confiava a três funcionários mais antigos, também maranhenses, a tarefa de fazer o recrutamento de novos trabalhadores em cidades do Maranhão. Os recrutadores, no entanto, não tinha essa atribuição formal: eram registrados como os demais cortadores de cana, atuavam na frente de trabalho durante o período de colheita, cortando e também como fiscais de turma, nas mesmas condições que todos os outros trabalhadores. “Em pese o fato deles também serem submetidos às mesmas condições que os demais, podemos dizer que eles atuavam como “gatos” da empresa”, disse o auditor.
O levantamento realizado pela fiscalização aponta que empresa fretava ônibus para buscar trabalhadores no interior do Maranhão. Com a orientação destes trabalhadores, que conheciam a região, as vagas eram divulgadas nas cidades, utilizando inclusive carros de som. Os trabalhadores que se interessavam pelo emprego eram trazido para Goiás sem contrato de trabalho. “De acordo com os relatos, eles não precisavam pagar a passagem mas tinham que arcar com sua alimentação ao longo da viagem. Eles eram trazidos sem registro, o que é proibido e pode inclusive caracterizar tráfico de pessoas”, disse o auditor. Os três fiscais de turma que faziam o aliciamento de trabalhadores no Maranhão, em nome da empresa, entraram no rol de resgatados. De acordo com os relatos, após o final do período do corte de cana, a empresa levava os trabalhadores de volta para o Maranhão.
Fazenda da CBB é reivindicada para Reforma Agrária
Em abril de 2023, a fazenda da Companhia Energética Brasileira em Vila Boa (GO) foi ocupada por famílias do Movimento Sem Terra. A ocupação foi retirada, por forças do estado, mas o grupo seguiu denunciando a Usina, que deve os cofres públicos e mantém posse da propriedade sem garantir a função social da terra. Em nota, o MST DF e Entorno comentou a operação que encontrou trabalho escravo na fazenda.
“O MST se solidariza com os 108 trabalhadores resgatados em condições análogas a escravidão e a toda população de Vila Boa de Goiás. Nos comprometemos a enfrentar toda forma de exploração, denunciando e organizando o povo para que esta usina seja desapropriada e entregue para fins de Reforma Agrária, e que possamos convertê-la em um grande Assentamento para que as trabalhadoras e trabalhadores da região possam ser donos de sua própria força de trabalho, rompendo as amarras da escravidão moderna operada pelo latifúndio e pela CBB e possam se tornarem agricultores familiares e camponeses livres, produzindo alimentos saudáveis, vivendo com dignidade e gerando renda para cuidar de suas famílias.”
Para denunciar um caso de trabalho escravo contemporâneo, acesse:
* Subsecretaria de Inspeção do Trabalho: Sistema Ipê (ipe.sit.trabalho.gov.br)
* Ministério Público do Trabalho de Goiás: prt18.mpt.mp.br ou mpt.mp.br