A atividade reuniu agentes da CPT e assentados da reforma agrária de sete estados que integram o Cerrado
Por Júlia Barbosa | CPT Nacional
Fotos: Júlia Barbosa | CPT Nacional
O I Encontro dos Assentados e Assentadas do Cerrado debateu pautas importantes relacionadas à Reforma Agrária, sobre suas potencialidades e desafios para garantia do direito pleno, não apenas para o acesso à terra, mas especialmente para a permanência na mesma. O encontro aconteceu no Centro Pastoral Dom Fernando, em Goiânia, nos dias 28 e 29 de julho, e reuniu cerca de 40 pessoas, entre agentes e assentados, de sete estados brasileiros que fazem parte do Cerrado: Goiás, Minas Gerais, Roraima, Maranhão, Piauí, Tocantins e Mato Grosso do Sul.
Uma rodada de apresentações iniciou o Encontro, debaixo de uma árvore mangueira, e deu sequência a uma mística que motivou o grupo a refletir palavras que representassem a luta pela terra, desde as ocupações e os acampamentos até os sonhados assentamentos da Reforma Agrária. No momento, os assentados e as assentadas expressaram palavras como resistência, união, partilha, rebeldia, sonho e vitória, mas também foram lembradas as dificuldades e as violências sofridas em todo esse processo.
O Incra e a Reforma Agrária no Brasil
Após o momento de acolhida, teve início uma mesa de análise de conjuntura sobre o contexto da Reforma Agrária no Brasil atual, que contou com a presença de Marcelo Gosch, Perito Federal Agrário e Superintendente substituto do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA/GO). Gosch apresentou dados sobre a reforma agrária no país, ressaltando que o Brasil é um dos países que mais concentra terra do mundo, sendo o 5° país com maior concentração fundiária da América Latina, seguindo a medição pelo índice de Gini da distribuição da posse da terra.
Além disso, o Superintendente afirmou que a realidade ainda é atual no Brasil, que continua colocando o agronegócio como o maior beneficiário dos programas de incentivos federais, como o Plano Safra, que se mantém desigual em relação à agricultura familiar, que continua renegada. “Se não houver organização social para cobrar do Incra e do Governo Federal, as coisas não vão acontecer. Se as famílias conseguem acesso aos créditos, ao fomento e às políticas públicas, elas levantam a cabeça e a coisa segue, mas se isso não acontece, as pessoas vendem, vão embora, abandonam. Por isso, a organização social também é muito importante”, considerou Gosch.
Dificuldades enfrentadas pelo Incra também foram apontadas por Gosch como um dos desafios a serem superados para a garantia dos direitos e viabilidade do trabalho da instituição junto às comunidades: “A gente precisa da estruturação do Incra para isso também, porque se não tiver estrutura, recurso e tudo mais, a gente não consegue fazer com que as políticas públicas cheguem até as comunidades. Não tem como a gente avançar sem a parceria das comunidades, dos movimentos e organizações sociais”, afirmou.
Realidade dos assentamentos no Cerrado
Após uma fila do povo, em que os assentados e assentadas puderam fazer apontamentos e perguntas ao Superintendente Gosch, deu-se início a exposição dos dados de duas pesquisas. A primeira, com foco em Goiás e Mato Grosso do Sul, foi coordenada por agentes da CPT da Grande Região Centro Oeste. Já a segunda pesquisa apresentou um panorama geral sobre os 56 assentamentos acompanhados pela CPT no Cerrado, e contou com a contribuição de professores do Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás (IESA/UFG) e da estagiária Melyssa Silva (IESA/Labotter).
A pesquisadora e agente da CPT Valéria Santos e o agente da CPT e agricultor familiar Gerailton Ferreira detalharam informações levantadas pelas pesquisas. De acordo com o levantamento, nas áreas de Cerrado, somam-se 2.984 assentamentos, totalizando quase 14 milhões de hectares de terras destinadas a cerca de 299.848 famílias. As pesquisas buscaram entender questões relacionadas à titulação dos assentamentos, dificuldades enfrentadas, produção e comercialização, acesso a políticas públicas e impactos da utilização de agrotóxicos.
Partindo dos resultados apresentados, bem como das considerações do perito agrário Gosch, os assentados e assentadas apontaram os desafios percebidos no dia a dia ds assentamentos rurais, além de suas perspectivas e inquietações. Entre as dificuldades mencionadas, a falta de políticas públicas, a ausência de fiscalização e o abandono governamental foram as com mais evidência. Em relação às expectativas, o grupo pautou o enfrentamento ao agronegócio, regularização dos acampamentos e retorno aos trabalhos de base.
“A gente vê tanta gente que morreu procurando direito nosso e nós não podemos ir atrás também? A gente não pode só esperar alguém fazer algo pela gente, nós precisamos ir também. Não é do jeito que eles estão pensando, às vezes também não é do meu jeito, mas a gente junta e vamos chegar a um denominador comum e que a gente possa melhorar a comunidade”, afirmou Alice Álvares, assentada da reforma agrária no Assentamento Teijin, Mato Grosso do Sul.
Ao final do primeiro dia, uma mística apresentada pela agente da CPT Simone Oliveira ilustrou os desafios e as potencialidades da preservação do Cerrado, seguida de um momento de trocas de sementes, que foram trazidas pelos próprios agricultores e agricultoras diretamente de seus assentamentos.
Perspectivas para a Reforma Agrária
O segundo dia do Encontro se pautou mais profundamente sobre as potencialidades, as perspectivas de lutas e as oportunidades para a reforma agrária no contexto do atual governo. Nesse sentido, o coordenador executivo nacional da CPT Carlos Lima ressaltou a luta pela conquista da terra: “A constituição brasileira era uma oportunidade de fazer reforma agrária e não foi feita. Nós não ganhamos terra, nós conquistamos terra. Muitos companheiros e companheiras tombaram nessa luta, então nós somos lutadores por terra”, destacou.
Em seguida, o agente da CPT no Mato Grosso do Sul Valdevino Santiago evidenciou a importância da união dos trabalhadores não só até a conquista da terra, mas também após o assentamento das famílias, para a continuidade das lutas: “Hoje, nós vamos falar de nós pra nós mesmos, para a gente sentir e refletir qual é o nosso papel enquanto trabalhadores assentados. Ontem, a gente falava que quando estávamos acampados a gente era mais unido, era mais fácil construir as coisas e depois que conquistamos o assentamento nos tornamos individualistas”, afirmou.
Valdevino também ressaltou a luta pelo bem viver no contexto da reforma agrária. Segundo ele, há dois projetos em conflito: o da terra para o bem viver e o da terra para negócios. “Existe a terra de viver e a terra de produção – Não é só ter a terra para produzir, mas a terra para viver bem, para viver em comunidade. A CPT reflete, sistematiza e reforça o que é para nós o bem viver. Então, nós temos que ter isso como argumento, bem viver pela qualidade de vida nos assentamentos”, enfatizou.
Na fila do povo, agentes, assentados e assentadas levantaram questões importantes para a reflexão coletiva, como a participação em espaços políticos estratégicos, o retorno ao trabalho de base e o fortalecimento de associações nos assentamentos. Nesse sentido, Valéria Santos pontuou sobre a necessidade de diálogos e entendimento concreto por parte dos trabalhadores e trabalhadoras a respeito de um projeto político popular, com participação nas discussões das políticas públicas para os assentamentos, não só nos micros-espaços.
Na dinâmica de grupos, os assentados e assentadas discutiram e apresentaram suas expectativas e demandas, que permearam pela defesa da Reforma Agrária Popular, na luta não só pela terra, mas por condições de vida digna, com garantia de saúde, educação, infraestrutura, lazer e políticas públicas aos assentamentos, com a criação de possibilidades para a permanência na terra.
O Encontro se encerrou com cantos populares e abraços compartilhados, no esperançar da luta e na certeza da força política e mobilizadora do povo para conquista dos direitos plenos e do bem viver.